Ouvia-se uma história contada por uma sábia e singela voz de um velho fazendeiro, que numa aquecida noite de verão soprou-se uma suave e delicada brisa perfumada, o que o levou até a janela por onde pode contemplar o flutuar de algo que lhe parecia um floco de neve, observou atentamente aquele ponto luminoso a aproximar-se dele e o viu adentrar no quarto. Olhando-o admirado temeu que se dissipasse ou mesmo que derretesse pela alta temperatura... E quieto observou o pequeno floco repousando sobre um também pequeno berço, afirmando ele que nesse momento de total admiração o pequeno floquinho passou a irradiar prateada luz ofuscante, transformando-se logo em seguida em um alvo e sorridente bebê de olhos celestes, cabelos cor de ouro e lábios em forma de coração, vermelhos como pétalas de rosas.
Essa foi a primeira visão que teve do seu iluminado floco de neve. Primeira mas não a ultima, pois passou a acompanhar todos os próximos passos do seu bebê-neve que não se derretia ao sol. Dali em diante o sábio fazendeiro passou a apresentar e a ensinar ao seu pequeno floco tudo o que de mais belo e admirável ele conhecia. Matas com grandes arvoredos, campinas verdejantes, pomares coloridos, as mais belas quedas d’águas, grandes rios, pequenos ribeirões, animais de todas as espécies e o importante significado de palavras como humildade e respeito passaram a fazer parte da rotina da pequena criatura que extasiada absorvia a tudo de forma inesperada e inexplicavelmente profunda, não tardando a se familiarizar com todas aquelas visões que pouco a pouco não só iam sendo apresentadas a ela como também passavam a ser parte dela, que sedenta sorvia de toda aquela atmosfera natural, fazendo-a acreditar que era realmente parte de tudo aquilo. E a cada instante a pequena criaturinha descobria e absorvia mais um detalhe, amando profundamente a todas as descobertas desejando cada vez mais estar diante de toda aquela espécie rara de contemplação.
E volta e meia perguntava-se: - Não há neve aqui, de onde ao certo eu me desprendi?
O pequeno corpo sentia o ressoar de seu interior como ecos de uma alma antiga a habitar-lhe e sua atenção vislumbrava a presença de mais de um mundo, dentro e fora, misturando-se, unificando-se ao seu maior “eu sou” sem nem ao menos conhecê-lo ainda. E instintivamente passou a desejar decifrar sua quieta-inquietação. E tão logo percebeu que seus olhos eram capazes de vislumbrar realidades paralelas às que vivia e por entre campos e clareiras nitidamente percebia tudo o que era transparente aos que simplesmente olhavam sem absorver. Vislumbrava fixamente caminhos invisíveis interpostos entre grandes e majestosas arvores, fazendo-a deleitosamente perder-se sem se perder em meio a toda aquela verde imensidão por onde sua alma vagava indefinidamente multiplicada.
Enquanto parte sua olhava admirada à sombra oculta da pomposa gameleira, outra parte tocava com a face dos dedos o tronco do jatobá a sentir sua textura rústica repleta de séculos enraizados, ao mesmo tempo em que seu olfato perscrutava a essência escondida da canela já percebendo o seu olor futuramente engarrafado. E os sabores estavam todos a impregnar sua parte alma-paladar, o cítrico das pitangueiras e laranjeiras, o adocicado das mangueiras, o néctar inebriante dos caquizeiros, o azedo suculento dos umbuzeiros, o apimentado das canelas e cravos e o abraço apertado ao céu da boca dos cajueiros e cajazeiras a aprisionar-lhe de sabores, como gotas de prazer a pingar em seu eterno viver... Todos os preparos apanelados e ainda pior, os enlatados, foram completamente bombardeados por todas aquelas nuances de hálitos indefinidos... Queria devorar a cheiro, cheirar o gosto e ver as cores dos sabores... Enquanto isso, sua parte alma-ave sobrevoava sobre a mata num desejo de descobri-la infinita...
Foi quando pela primeira vez o avistou, atraindo todas as suas outras partes à visão daquela longínqua e gigantesca existência... Um jequitibá transpirando eternidade... Por um instante tudo parou e sentiu agarrarem-se de volta a seu corpo infantil todas as suas partes de idades diferentes, a alma- olfativa agarrou-se ao seu braço esquerdo, a alma-auditiva ao direito, e sucessivamente a alma-paladar a um de seus pés e sua alma-tato ao outro, enquanto a sua alma visionária agarrou-se ao seu corpo impulsionando e elevando-o como asas e como por extinto e intuição guiava-a desenfreadamente rumo à clareira, desafiando a realidade do espaço e velocidade... Apenas ia, livrando-se dos obstáculos que por vezes a açoitava para traz, não sendo nada o suficiente para fazê-la parar... Ao longe escutava o canto das aves e o sussurro dos animais assustados a observar-la no ímpeto de entender qual outra espécie de bicho era aquela que mais parecia à união de todos eles... As características selvagens afloravam fazendo-a sentir-se muitas outras, completamente ela em totalidade...
A sua agilidade e leveza doava-lhe características aladas adiantando-se entre as fadas que sapecavam de brilhos o seu caminho, elfos tentavam ultrapassá-la enquanto os gnomos para ela torciam e diziam: - Chegar é pertencer e pertencer é possuir! E por vezes o caminho perdia-se sob o nevoeiro da caipora que enciumada, com seus pés contrários tentava confundi-la, mas confundiu-se a si mesmo tendo que fugir de diante da menina-floresta cujo da misteriosa mata parecia ter o mapa... E tinha! Pois não obstante avistou e deleitosamente ela finalmente parou, encheu-se completamente de todas de si mesma e estagnada fixou o seu olhar ao centro da clareira... O tempo cedeu a si próprio e perplexo parou e o silêncio da criança era sorriso que de seus poros esvaia. O olhar fixo, iluminado, soltou a sua melhor gota que levemente e lentamente flutuou em direção aos lábios sedentos da terra a aguarda-lhe o seu saborear... Sua alma tato desejou o deslizar de dedos sobre seu tronco estendendo um de seus braços em sua direção... Ali estava ele... Olhava-o como à seu próprio “reflexo”... Seus lábios balbuciaram o nome cujo sabor a língua colhia atando-o como a uma estrela ao céu da boca. E que universo de precioso passado, extasiante presente e deslumbrante futuro se resumiam ali, naqueles segundos furta-cor... O espaço tornou-se folha de um verde ofuscante, o tempo raízes esculpidas como braços a agarrar-se a terra e o viver era eternidade absoluta em seu tronco de mil abraços diante de seu pequenino mais extenso e profundo olhar...
Tudo tornou-se uma fração do que realmente desejou e no anseio de adentrá-lo abraçou-o unindo as forças de todas em si, agarrando-o com seus pequeninos braços que se multiplicaram no momento em que seus cinco sentidos deram-se as mãos, atando-a a aquela existência-fortaleza mais castelo do que todos os contos de fadas poderiam construir... E ali permaneceu por longa paralisia temporal, enquanto absorvia aquela louca consciência de si própria. Ao estagnar do laço de braços sentia-se o querer soluçar cheio de coisas existentes entre a realidade e a ilusão, sentindo-se absorvida ser, completamente... De repente, sentiu-se acarinhada por gotas que das folhas da grande arvore emergiam... Como gigantes lágrimas pingavam, gotejavam sem chover tocando-lhe os cabelos sem encharcá-los, alcançando a sua alma núbil. Pequenos frutos e folhas passaram a desafiar a lei da gravidade (ou o já havia sido desde o inicio) e flutuavam roçando os seus braços, colando-se a sua pele, entrelaçando-se a seus dedos como mãos que buscam o seu lugar e uniram-se tornando-se ambos um só, unificados naquele doce sonho arvorecido...
Ela sentia o estremecer do coração, a respiração ofegante e o acalento do corpo ao aninhar-se em suas raízes... E como no mais esperado abraço adormeceu, ninada pela sonata da mata, com o lençol sombra a aquecê-la, lembrando-se que breve cairia à noite e a luz do sonho adormeceria. Ela queria aproveitar cada minuto. Cada instante, mesmo que breve, teria em cada fração a presença da eternidade. Diante daquela presença imponente ela sentia-se ainda menor, "pequena", o que também a fazia sentir-se protegida, e pertencente a ele, o seu "grande" jequitibá, de forma ainda mais intensa... Sabia que aquele contato material seria breve ao mundo físico, mas já podia sentir a dimensão do “felizes para sempre”em seu lacônico e ao mesmo tempo “sem fim” conto de fadas... E adormecida, só queria estar ali... Aquele lugar era a sua “terra do nunca”, estando uma única vez ali, trancados estariam eu seu mundo de sentires únicos e desconhecidos “para eternamente”... Ela tinha certeza disso...
Abriu os pequenos olhos e viu ao longe o abismo que estendia-se entre eles, entre ela e seu jequitibá, sentiu-se desaninhada, mesmo que protegida. Olhou as mãos e nelas estavam os resquícios do entrelaçar de outrora... Pequenas partículas de madeira nas unhas e na pele envolvidas em gotas vermelhas que os dedos choravam traziam a confirmação do mistério que eternamente habitaria em seu interior, ou mesmo no exterior, ao olhar-se no espelho em seu próprio reflexo... Agora os braços que a envolviam e a carregavam descansadamente eram outros e a voz serena, mas temerosa demonstrou que de alguma forma estava alheio a toda aquela unitividade vivenciada, dizendo: - O que farei com esse meu bichinho-neve? O amor não me permite devolver-te ao lugar de onde veio... E encaminhada foi ao seu habitat nada natural e do lugar onde estava passou a visitar outras terras procurando incanssavelmente estar mais uma vez diante de sua "grande"arvore. E enquanto as paredes de seu quarto fragmentavam-se a floresta transportava-se para lá formando clareiras em seus pensamentos onde seres elementais contavam-lhe suas historias e trazia-lhe noticias de seu frondoso jequitibá e a pequena por fora frágil-neve tornou-se por dentro forte-jequitibá. Temendo um dia ser-lhe proibido o recordar, voltava sempre em partes de si às raízes que a aninharam rogando-lhe: - Não posso estar em ti mas para sempre estejas em mim, temo não poder recordar-me vindo o futuro-passado e querer ser no futuro o que no passado fomos em mim, sendo que serei uma vida fingindo que a outra nunca havia existido... E o amável e sábio jequitibá apenas balançava os seus galhos-braços à pequena alva criança sussurrando-lhe: - crescerá, assim como eu o fiz, mas em mim sempre estará, assim como eu em ti!
Dedicado ao meu pai, Nelson Cerqueira Muniz e ao meu eterno e "gigante" jequitibá!
Sunna França
10 comentários:
Belissimo texto mocinha!Me fez viajar por entre as mais belas matas e florestas!O teu pai deve ser um grande homem.A prova está aí,Você e todos essa senssibilidade e delicadesa que demostram serem frutos não só de muitos estudos e dedicação como tambêm de uma mágica e bela infância ao lado um sábio e dedicado pai!
Espero que ele ainda viva para contemplar por longos anos os frutos doados pelo seu pequeno "floco"!
Parabêns aos dois!
A natureza agradece!
Todo artista tem uma obra-prima, sem duvida ainda escReverá muitas outras...mas....no momento essa é a sua!
Linda.
De sua fã...C.V.T.A.M.!
Bom texto! Tem uma vêia ecológica forte!Esse e muitos outros!Vc faz parte da natureza,sem dúvida!
Gostei!
Você não só faz parte da natureza!!! Você "é" um fenômeno da natureza, eu ja sabia disso! A descoberta é: Qual fenômeno tu és? Alva neve que não derrete nascida em pleno verão? Tempestade de sentires em pleno sertão? Lua amanhecida na alvorada erguida? Furacão de emoção que nos trava o coração? Especié de plata e bicho em eterna extinção? Terna dúvida que me faz desejar os segredos de tua existencia desvendar!
Parabêns!
Parabêns!
Parabêns!
O longo que nos prende,nos faz querer mais,nos faz pedir:Por favor,diga que não acabou!!!
Sem palavras,menina selva,sem palavras!
Parabêns!Bastam as tuas...
Menina!Você é um gênio...rsrs!Encantador!Como pode fazer isso comigo?Me emocionou criatura!
Nada de opniões frias e técnicas.Aqui vai a do coração,você merece!MA-RA-VI-LHO-SO!Me fez desaguar coisinha!Vontade de cuidar!
ôh bichinho,volta pro mato!
Amo você ainda mais!
Beijos
Texto encantador!Cheio de vida,de verde,de coisas que os dias de hoje não conhecem!Deixas aqui bem claro o quanto nós,seres humanos, poderiamos sermos melhores se ao menos tentasse-mos!O teu sentir faz com que percebamos que és um pedacinho de cada coisa!TERRA-AR-ÁGUA-FOGO!Riquesa de detalhes e palavras!
Parabéns!
DICA, você realmente é uma dica DIVINA para todos nós que não conseguimos enxergar o belo nas coisas mais simples, porem
sensíveis e de uma singela simplicidade.
raízes profundas raízes em solo fértil. Simplesmente linda.
Que sorte teve vc de ter um pai assim,cuidadoso,sábio e que te apresentou um mundo de tanta aventura e naturalidade!Que sorte teve seu pai de ter uma filha assim com essa indescritível senssibilidade tornando possível assim a absorção instantânea de todas as belas coisas que lhes foram apresentadas e ainda mais os seus mistérios ocultos,como os do jequitibá,que só uma alma de artista poderia captar!Onde quer que ele esteja(seu pai),sei que se orgulha do fruto doce e mágico que brotou de sua pequena semente!Você!
Procura-se "verde" no google,encontra-se você,filha da mata!
Parabéns!
Nada melhor para felicita-la do que uma canção para piano, essa linguagem vc entende bem...
http://www.youtube.com/watch?v=r38f9uQeOt4
Bjo.
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