A vida de pessoas como eu não tem um intervalo entre os sintomas e os dias, não é como dar uma topada, acordar de TPM, ter uma cólica, mas saber que tudo vai passar. Nós não amanhecemos de sarampo ou catapora e recebemos a estimulante notícia de que ficaremos curados em “x” dias, basta ter um pouquinho de paciência que logo passa. Também não é como diariamente ir trabalhar, ou a escola, faculdade ou academia e voltar para casa deixando tudo para trás, afinal, não é bom misturar as coisas, trabalho com família, amigos com família, a prática de um hobby com família, doenças com família... ops, pois é, não dá para deixar a doença trancada em um cofrinho ou desligar ela na hora certa ou quando quiser. Ao contrário, um belo dia nós nascemos, ou, para uns tantos de nós que não são congênitos, acordamos com uma dor e recebemos a notícia de que temos uma doença crônica e incurável, que vamos ter que nos medicar e nos cuidar por toda uma vida, que nada mais será como antes e, compreendemos prontamente (por mais que escondam as vezes), que, se tivermos sorte, ainda viveremos um bom tempo com isso, ou não! Junto com a notícia de incurável, vem todo uma sequência de outras notícias, dentre elas, mudanças de hábitos e rotinas, pois teremos que lidar com todos os percalços diários, riscos das doenças e aqueles sintomas que tão cedo (ou nunca) vão passar e adaptar a vida a eles, ou vice versa. Tem uns casos que vão além, vão dizer sobre o fato de não poder mais dirigir, sair sozinha, viajar, nadar, tomar banho sozinha e outras coisas que sequer poderá fazer mais, como andar de roda gigante e descer em tobogãs, para não citar outros hobbys, comidas, bebidas e baladas e isso não exatamente porque passou a ter problemas de mobilidade, pois conheço pessoas que superaram e administram muito bem suas vidas com eles. Aqui me refiro a sintomas como dores incapacitantes, síncopes, convulsões, que vão te desligar do nada em pleno tudo, te levar por minutos que parecem eras e sem saber se com direito a passagem de volta. Ah, tem também o fato das máscaras e aglomerações, que ou você usa a primeira (máscaras) ou evita a segunda (aglomerações) e aqui não me refiro a essa pandemia que vivemos, mas a pandemia eterna das doenças, que fez com que muitos de nós usássemos máscaras já há décadas, independente do que está acontecendo no momento atual.
Muito prazer, essa sou eu e faço parte de um grupo de pessoas que por mais que desejasse viver uma vida considerada normal para os demais, o normal para mim é esse, acordar com dor, travada, tentar destravar para levantar e quando o travamento não é no corpo todo, é em parte dele e ou arrasto uma perna ou não me ergo direito e de qualquer modo, me arrasto por entre os móveis, segurando neles como se fossem bengalas imóveis, de vários modelos e finalmente úteis!
Pessoas assim não conhecem dias de paz, se isso significar dias sem dor, sem sintomas, saudável. Viver e ser feliz não significa ter disposição, condicionamento físico, força física, noites bem dormidas, aquela corridinha matinal, uma ducha e um super café da manhã e estou pronta para outra.
Longe disso! Malmente tomamos uma ducha e um café da manhã medicinal, regado de cápsulas e gotas, isso se conseguir levantar da cama. Não há como separar doenças e sintomas de uma rotina que, lutar pela vida, significa lidar o tempo todo com elas, não entre uma coisa e outra que irei fazer, mas para fazer todas as coisas, se conseguir fazer.
Conviver com doenças que mechem contigo desde a hora que acorda até a hora de dormir, significa que você esqueceu de si mesma, se não lembrar delas.
Nós temos que nos lembrar a cada segundo das patologias que carregamos, tanto para saber lidar com elas, quanto para conseguir sobreviver com elas, a elas e por elas (pense em todas essas alternativas juntas e separadamente), todos os dias de todos os anos da vida. Tentamos o tempo todo não cometer nenhuma mancada acidental contra a própria vida e até mesmo para conseguir cumprir o que quer que seja que se estava tentando fazer, muitas vezes inutilmente, pois pouco do que fazemos, chegamos ao fim e está tudo bem.
Na vida de um doente crônico e raro como nós, felicidade imensa está em coisas pequenas, nos detalhes, cada mínimo movimento que conseguimos fazer vale o ouro das minas escondidas e se hoje eu conseguir lavar o cabelo, nossa... eu vou ficar tão feliz e plena, depois que descansar, claro, pois vou estar tão exausta quando terminar que a felicidade tem que esperar, ou, posso encontrar com ela em sonhos, pois vai que eu consiga dormir após um banho e mil noites insones dessa vez... a felicidade também está nisso, em ficar quieta e em silêncio, aproveitando a leseira pós “super trabalho” do banho para sentir o universo em volta, seus aromas e cores e todos os mundos contidos dentro deles!
Cuidado, você pode ter chamado isso de preguiça ou mimimi um dia!
Eu faço parte de um povo que teve que reinventar a paz e finalmente a encontrar onde de fato ela está, dentro, lá no fundo de todas as coisas e no além nós, nas coisas maiores que tudo isso, como o bem do próximo e esse amor infinito a todas as coisas belas que existem para além do nosso próprio umbigo. Ter paz é respirar aliviado ao sobreviver a mais um dia antes de dormir e a mais uma noite ao amanhecer, e poder ser grata a tudo isso, inclusive pela vida do próximo e a sua maravilhosa saúde, sem esperar mais que ninguém agradeça pela nossa vida doentia, fragilizada e dependente.
Tivemos que reconstruir um antigo modelo de fé e mesmo sem saber, restaura-lo, renova-lo e o fazer novo e atual, embora nada original (milênios a.c.), com base em valores de fato, focado no SER e não no TER, nem em nenhuma moeda de troca, ameaça, imposição ou receita de bolo divina, do tipo “me pede assim, que te dou assado, se tu fizer frito ou cozido”.
Ter fé em algo não significa que temos que receber o que queremos, e aqui, para muitos, o que queremos significa a cura impossível, mas, para nós, na realidade não significa receber nada, e sim, apenas permanecer, ficar aqui e viver mais de tudo isso que nos é permitido e continuar lutando.
É lindo acordar e perceber que ganhei mais uma vez essa dádiva, todo dia parece dia de aniversário, por isso acendo de novo todas as minhas velinhas coloridas e olho para cada um dos que eu amo como se fosse a primeira vez ao amanhecer, já que logo mais, ao anoitecer, me despedirei como se a última...
Ter fé para mim é perceber que o maior milagre do viver é permanecer vivo, e isso nos ensina a lutar mais pela vida e a valorizar a si mesmo, reconhecendo o quanto temos que batalhar para manter esse milagre vivo. O nosso verdadeiro milagre somos nós e como é lindo amar muito tudo isso que somos e ao lutar por si mesmo, construir um infinito de felicidades e tentar contagiar o mundo dessa intensa alegria que é estar vivo!!!
Sunna França
Conheça o meu Instagram @sunnafranca onde presto auxílio voluntário com mensagem de vida e superação, a pessoas portadoras de doenças crônicas e raras como eu, que se encontram desolados em meio à complexidade dos sintomas. Siga, curta, comente e compartilhe por lá, para que o maior número de pessoas sejam alcançadas com essa mensagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário