sábado, 13 de agosto de 2011

TURMALINAS AZUIS




Ela perambulava lenta e solitariamente por entre seus corredores internos, seu leve e frágil corpo levitava, alma alva, sozinha vagueava. Eram corredores de cristal cuja transparência permitia que vislumbrados fossem espaços além dela. Sentia-se partes separadas embaladas pelas mãos do tempo, o presente do seu ser, também cuidadosamente embalado para a viagem desconhecida, fora guardado em uma das gavetas de sua cômoda interior. O futuro era o presente surpresa, o acesso a ele estava bloqueado pela paralisia das horas, o tempo ia, mas ela não, e o passado desembalado insistia em sussurra-lhe gemidos de dor fazendo-a desejar mais e mais a partida. Suas lembranças hora eram ecos a desidratar-lhe pelos olhos, hora eram feixes de sorrisos a acariciar-lhe a memória... A escuridão invadia suas paisagens secretas enquanto ela, assustada e solitária, escondia-se nas trevas e tentava não recordar dos sentires obscuros... Gemidos... Seu corpo gélido e cálido desistia, enquanto a alma insistia. Olhou e viu, uma criança serelepe tocava com as pontas dos pés o teto de seu espírito que timidamente sorria, era uma lembrança alada, dessas que voam em volta do corpo e arrepia, cócegas, fazendo rir outra vez a mesma antiga e familiar gargalhada. Aumentou os passos, tropeçou nas nuvens que tomavam forma de antigas brincadeiras, bonecas passeavam de carrinho, balanços convidavam a sentir a brisa do vai e vêm agarrados as pontas das estrelas, caça ao tesouro, o menino tempo desenhava seus mapas nas letras que riam ao justificarem seu anseio por desbravar territórios, sorrisos sapecas jogavam e tornavam-se WAR para ocupar o Maximo de territórios possíveis no espaço e no tempo do ser feliz. Por mais que durasse só um instante, por mais que tudo em segundos se dissipasse, aquilo tinha cheiro de menino pirracento, desses que fazem que vão,mais voltam em instantes com mais uma gracinha. E ela... Ela sentia uma estranha delicia a cada novo esboçar de pensamentos. Era tudo o que ela precisava, de uma lembrança criança a aquecer as suas mãos gélidas pelos pólos do presente e passado que a comprimia e há tempos congelava os sentires.

Não demorou e ela corria e seus paços e espaços cintilavam azuis. Pelas pontas dos dedos o seu olhar tingia de oceano a memória, seus cílios eram as cerdas do pincel que pintava as imagens que queria ver,paisagens cor de céu, aquarela viva. Novas cenas antigas reapareciam ofuscadas ainda pelo tempo que passou à velocidade da luz. Uma suave constatação a inundava: Quando a lembrança é leve e delicada criança, ela não cresce, nunca, jamais, por mais que o tempo tente amadurecer suas formas, apenas uma nova roupagem é sobreposta ao verdadeiro, que nítido, ainda assim permanece. A infância é uma dádiva atemporal marcada pela imortalidade, é como uma caixa de lápis de cor de tinta permanente, capaz de desenhar eternidade nas paginas do futuro, independente de qual ou quem seja ele. Ela melhor do que ninguém sabia disso, por isso mantinha o seu paraíso infantil intacto em seu melhor quarto intimo, era uma terra do para sempre, tudo ali era perpetuado pelas mãos do infinito, bastava adentrá-lo uma só vez, era preciso uma só chance,um só convite, para que o seu lúdico e mágico mundo antigo a tomasse por completo, forte... Nem mesmo o tempo, inventor do destino, promotor das mudanças, era capaz de imaginar o quanto ele é ineficaz no quesito destruir lembranças felizes em sua mente dotada de infinitos. E isso por instantes a fez sorrir, pois a suave constatação de que o paraíso das lembranças dóceis lhe pertence, capacitou-lhe a transcender as barreiras de cristal, e com olhar de criança contemplar as pequenas e meigas mãos adultas da infância que passou,mas que ainda assim, teimosa e sapeca ficou. E lá estava, a acenar-lhe e presentear-lhe o dia, a vida, com a preciosidade das palavras simples, lapidadas em sua pedra preferida, pintadas com a cor que mais ama: - Oi, sou eu mesmo, parte da tua infância que tanto amas, o tempo passa, as pessoas crescem, mas os melhores momentos permanecem. Trouxe-lhe turmalinas azuis, assim como você e iguais a criança que sempre foi!
Sunna França

PS: Dedicado aos amigos e amigas de infância (mesmo aqueles que não vejo a eras), a própria infância e a todos os que cultivam essa linda dádiva em sua memória, em sua vida e na vida das crianças em sua volta!
Sim, todos nós possuímos uma criança interior, por mais que em alguns a infância não passe de uma vaga lembrança nem sempre feliz, infelizmente. Ainda assim, como podemos ser hipócritas ao ponto de contribuirmos ou permitirmos que o mundo, a mídia, ou quiçá a dura realidade que vivemos, faça com que as nossas crianças passem cada vez mais a possuírem adultos dentro de si e serem cada vez menos crianças por fora e por dentro, causando verdadeiros rombos emocionais, comportamentais e traumas muitas vezes insuperáveis.
Toda criança tem direito a ser criança e nós, adultos, temos o dever de contribuirmos com isso!







7 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

Um texto sublime que nos leva até ao mais profundo de nós e nos embala nas memórias que guardamos ciosamente no nosso cofre de tesouros.
Adorei ler...fica a minha admiração e um beijinho,voltarei para me embalar nos seus escritos.

Rosa

Toninho disse...

Muito bem construidas estas reminiscencias,com um chamado perfeito.Sim Dica, nunca devemos permitir morrer esta criança, que ela tenha todos os espaços e alegrias dentro de nós.Como naquela musica: Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração...
Gostei.
Um abraço e bom fim de semana na paz e luz.

Daufen Bach disse...

Oi Dica Cardoso...
aqui, maravilhado, lendo teu texto!
que coisa gostosa de ler, que imagens fantásticas, surreais pintaste com tuas metáforas.
Pus-me a recordar sobre minha infância! Obrigado minha querida amiga!

Abraços.

daufen bach.

Miriam de Sales disse...

Adoro esse blog,pleno de textos interessantes.Uma profunda busca pelo belo bem dosado pela sabedoria. bjs

Miriam de Sales disse...

O texto é adorável,o blog bom de visitar com uma paisagem de beleza e harmonia.
Voltarei. bjks

Sergio disse...

Sandra, seu texto é realmente maravilhoso. Como disse confucio: "Se queres prever o futuro, estuda o passado. É preciso estudar o passado para saber como será o futuro.” Que em 2012, seus sonhos sejam realizados e que haja paz, saúde e muito amor pra vc!!!

Anônimo disse...

Lampejo pela bravura, pelo azul....pelas barreiras de cristais. O panteão dos deuses se dobram.....As Turmalinas Azuis.....

Felipe Sicsú.

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